Gestão de Risco em Epidemias: o papel das Políticas Públicas

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Um relatório da Organização Mundial da Saúde, lançado no início do ano passado, listou o surto de pandemia de influenza como um dos 10 principais riscos para a saúde global. Não por acaso, o ano de 2019 terminou com a notícia alarmante de um novo vírus – o coronavírus COVID-19 – ainda desconhecido e com potencial de transmissão e danos em escala mundial.

Diante desse contexto, é válida a reflexão sobre como as políticas de saúde respondem a questões emergentes em saúde pública, como o risco de pandemias, e como o setor privado pode se unir ao setor público na solução dessas questões e no aprendizado sobre antecipação de riscos. Neste artigo, iremos abordar estes temas e citar as lições importantes que podem ser extraídas neste contexto e que poderão fazer diferença no processo decisório de stakeholders do setor de saúde.

Políticas Públicas

Uma política pode ser definida como um conjunto padrão de princípios que guiam um curso de ação. Quando as políticas são estabelecidas pelo governo, elas podem ser chamadas de políticas públicas. As políticas públicas são instrumentos importantes de um país para alcançar um bem coletivo e direcionar esforços de forma coordenada e resolutiva. Elas correspondem a diretrizes gerais (linhas de ação a serem seguidas) e que servem a um propósito (objetivo maior a ser alcançado) de forma a solucionar problemas que afetam a sociedade.

No Brasil, entende-se por política de saúde “decisões de caráter geral, destinadas a tornar públicas as intenções de atuação do governo e a orientar o planejamento (…). As políticas visam tornar transparente a ação do governo, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis[1]”.

As políticas de saúde, como diretrizes gerais de ação de um governo, operacionalizadas por meios de planos e programas, visam promover, proteger e recuperar a saúde da população. Em situações de emergência em saúde pública, fica evidente a capacidade (ou incapacidade) de um país de coordenar, articular e solucionar as crises.

Isso se faz por meio do planejamento, engajamento com atores, disseminação das informações e ações concretas que sejam capazes de mitigar os danos, se antecipar aos problemas e vislumbrar oportunidades de melhoria das condições até então criadas. O sistema de controle e resposta a epidemias pode servir como exemplo de um gerenciamento de riscos a ser usado por vários atores e áreas na esfera pública e privada.

Políticas Públicas de Saúde e resposta a emergências no Brasil

As políticas possuem uma importância estratégica no arcabouço de planejamento do governo. Na área da saúde, por exemplo, o planejamento das políticas do Sistema Único de Saúde (SUS) segue o preconizado pelo Pacto da Saúde de 2006, um conjunto de reformas utilizados como instrumento de gestão e pactuação entre as três esferas do executivo.

Com o Pacto pela Saúde, veio a introdução do PlanejaSUS, um instrumento de orientação da organização da oferta de serviços, para que cada esfera do governo saiba o que precisa fazer para promover, proteger e recuperar a saúde da população. Os instrumentos básicos do PlanejaSUS são compostos pelo Plano Nacional de Saúde (PNS), o instrumento central de planejamento para cada período de mandato presidencial, a Programação Anual da Saúde (PAS), que operacionaliza as intenções descritas no PNS, e o Relatório Anual de Gestão (RAG), ferramenta de gestão com elaboração anual que permite ao gestor apresentar os resultados alcançados com a execução da PAS e orienta eventuais redirecionamentos que se fizerem necessários no PNS.

Quando um país se depara com uma emergência em saúde pública com reflexos em escala mundial – como aconteceu na epidemia de SARS em 2002-2003 e 2018, com o H1N1 em 2009, e com o coronavírus, atualmente – é preciso que as políticas de saúde sejam capazes de dar uma resposta ao problema, e se antecipar a maiores impactos para a população.

No caso específico de epidemias, o governo federal possui um Plano de Resposta às Emergências em Saúde Pública, com atuação da Secretaria de Vigilância em Saúde, cuja estruturação tem como princípio “a utilização de um sistema de coordenação e de controle, para uma resposta oportuna, eficiente e eficaz[2]”.

Em situações de risco, o governo aciona o Centro de Operações de Emergência em Saúde (Coes), um mecanismo de coordenação de protocolos e procedimentos, com ação coordenada entre organizações governamentais e não governamentais para uma resposta rápida ao problema.

Consequências que extrapolam a esfera da saúde

Como em qualquer situação de crise, os efeitos são sentidos pela sociedade em geral, com impactos sobre vidas e economia. Em 2009, por exemplo, a epidemia de H1N1 contribuiu para a redução de 0.5% o PIB global, segundo estimativas do Banco Mundial. Não apenas a produtividade e transações de bens são afetadas quando há situações de confinamento de pessoas e restrição da circulação de pessoas e mercadorias, mas as prioridades de investimento também se alteram.

Na epidemia de zika no Brasil, por exemplo, grande parte de recursos do Ministério da Saúde foi redirecionada para pesquisas sobre o vírus. Por outro lado, a crise cria oportunidades de parcerias inovadoras entre negócios e sociedade civil para complementar a resposta oficial ao problema. Além disso, possibilita formulação de agendas que permitam abarcar uma discussão maior do que o restrito apenas ao vírus como, por exemplo, questões relacionadas a saneamento e infraestrutura.

O planejamento da resposta a epidemias ou outros problemas de emergência em saúde, como desastres naturais, talvez seja o maior exemplo de políticas de antecipação de riscos, cujas lições podem ser extrapoladas para outras áreas.

As lições que ficam

Tomando os casos recentes do coronavírus e de outras epidemias, podemos exemplificar algumas lições úteis na antecipação e gestão de riscos:

  • Transparência nas informações: conduta é crucial para a construção de confiança e cooperação. Tanto em 2002-2003 quanto em 2018, na epidemia de SARS, a China atrasou ou se recusou a compartilhar dados e amostras do vírus. No caso da China, especificamente, a falta de transparência tem dificultado a alocação de recursos para o controle do coronavírus, e muitos países parceiros têm encontrado dificuldades para lidar com o problema com receio de que uma possível crítica possa prejudicar a cooperação entre eles.  
  • Colaboração com outros atores: epidemias (entendidas aqui como crises) geram ruídos, mas geram também oportunidades de colaboração entre países ou instituições para uma solução rápida ao problema, que de outra forma não seria possível ou tomaria caminhos mais longos. Um desafio comum à cooperação refere-se à incerteza da coordenação e comunicação entre todas as partes. Neste sentido, sensibilidade política é fundamental para que cada um dos atores deixe claro como pode contribuir para a mitigação do problema, de forma a alinhar expectativas sobre a colaboração.
  • Planejamento: a epidemia de H1N1 em 2009 mostrou a importância da preparação de centros de saúde em resposta aos casos de doenças respiratórias. Um planejamento integral deve conter uma abordagem que consiga abarcar diversos riscos (operacional, logístico, político, entre outros), e contar com a participação ativa de todos os atores envolvidos na resposta. Com planejamento as ações ficam mais coordenadas, mais rápidas, mais eficientes (pois se sabe o que está fazendo e por quê, evitando sobreposição de ações). Em síntese, é possível antecipar futuros riscos com ações planejadas.
  • Rapidez na identificação de problemas: a experiência do Brasil na resposta ao zika virus em 2015 mostrou que quanto mais rápido se responde ao problema, maiores as chances de mitigação das consequências. No momento da descoberta do virus, embora não se soubesse exatamente a relação entre o zika e a microcefalia e outros agravos, o governo, em conjunto com outras organizações nacionais e internacionais, lançou uma resposta ágil para o diagnóstico e planejamento de ações para oferecer mais qualidade de vida às crianças acometidas pelo vírus e suas famílias. Um plano de resposta rápida, de contingenciamento de danos por meio de criação de cenários, é necessário para uma ação oportuna e em tempo hábil.
  • Sistema de monitoramento e avaliação: sistemas de vigilância de agravos são necessários para monitoramento, em tempo real, do avanço de uma epidemia. O monitoramento de pautas relevantes, avaliação de ações e desdobramentos na política com impacto sobre os negócios é crucial como uma ação pautada em planejamento[CR1] , para que se saiba o momento certo de agir para antecipação de problemas e oportunidades, neutralização de ações contrárias ao que se pretende alcançar ou controlando a incerteza[CR2] .

É importante reconhecer que, em qualquer contexto, há riscos e oportunidades. Transparência, colaboração, planejamento, agilidade na identificação dos problemas e ambiente monitorado possibilitam avaliar ações já tomadas e reconfigurar os recursos disponíveis, de forma a enfrentar de maneira eficaz as situações de desafio e garantir que os objetivos sejam alcançados.

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[1] Fleury S, Ouverney AM. Política de Saúde: uma política social. In: Giovanella L et al. Editores. Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p. 23-64.

[2] Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Plano de Resposta às Emergências em Saúde Pública / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014. 44 p. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_resposta_emergencias_saude_publica.pdf

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

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Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

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