Real World Data (RWD) e Real World Evidence (RWE): afinal de contas, do que estamos falando e qual o papel das associações de pacientes neste contexto

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1 – RWD e RWE: definições e diferenças

Atualmente tem-se discutido bastante os termos Real-World Data (RWD) e Real-World Evidence (RWE), ou Dados de Vida Real e Evidências de Vida Real. A discussão em torno desses termos se originou das possibilidades trazidas pela disponibilidade cada vez maior de dados para tomada de decisão em saúde e, em especial, para questões regulatórias.

Segundo o Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de saúde do governo norte-americano, isto está acontecendo agora porque a capacidade de armazenar dados relacionados à saúde – por meio do uso de computadores e outros dispositivos– tem se acelerado rapidamente. Para a agência, esses dados podem ser utilizados no planejamento e condução de ensaios clínicos e outros estudos em saúde, possibilitando responder a questões antes consideradas inviáveis. Outra vantagem destacada pela agência refere-se ao desenvolvimento de recursos analíticos sofisticados, que viabilizam a aplicação das análises realizadas no processo de desenvolvimento e aprovação de produtos médicos. (FDA: U.S Food & Drug Administration).

Basicamente, RWD se refere ao dado extraído fora do ambiente controlado dos testes clínicos. Ou seja, é o dado coletado rotineiramente nos serviços de saúde, registros eletrônicos, registros administrativos do governo (usado para reembolso de serviços, por exemplo). Ele é chamado de real justamente por não estar em um ambiente controlado de estudos clínicos.

Esses dados, por si só, não fornecem informações de uso prático, pois são dados brutos. Seu potencial informativo reside na capacidade de serem transformados em evidências que oferecem valor na tomada de decisão. Ou seja, é a partir da análise dos dados (RWD) que são obtidas as evidências (RWE) para a tomada de decisão.

Para que dados sejam transformados em evidência, é necessário definir a questão científica que será respondida com os dados brutos, identificar o desenho de estudo apropriado (como estudos randomizados, estudos observacionais prospectivos ou retrospectivos, entre outros), selecionar o dado (RWD) a ser usado, definir a metodologia a ser utilizada e proceder à análise, que irá gerar a evidência (RWE).

2 – Fontes e aplicações do RWD e RWE

Na área da saúde, a Sociedade Internacional de Farmacoeconomia e Pesquisa de Desfechos (ISPOR), identifica seis fontes de dados de vida real, que podem ser agrupados em três:

  • Dados Institucionais: informações clínicas coletadas rotineiramente durante visitas médicas, informadas em prontuários dos pacientes ou registros administrativos utilizados para planejamento e gestão dos serviços;
  • Dados gerados pelos pacientes: pesquisas realizadas por pacientes ou representantes de pacientes sobre diversos tópicos, desde efeitos adversos de medicamentos a preferências em relação à forma de administração/utilização de tecnologias;
  • Dados emergentes ou experimentais: equipamentos de saúde eletrônicos, aplicativos de saúde e mídias sociais.

Os usos por diferentes governos e menções na literatura acadêmica mostram que este tema será cada vez mais relevante quando se trata de avaliar a segurança de medicamentos e efeito das tecnologias em saúde em condições fora dos ensaios clínicos. Por isso, muitas vezes o RWD é visto como um termo guarda-chuva, que engloba uma variedade de tipos de dados que podem ser base para gerar informações sobre intervenções em saúde no dia-a-dia dos serviços de saúde.

O uso de dados (RWD) para geração de evidências (RWE) tem se tornado muito frequente em questões regulatórias, principalmente após a aprovação da Lei de 2016 (The 21st Century Cure Act), nos Estados Unidos, criada para fomentar o desenvolvimento de produtos médicos e trazer avanços e inovações aos pacientes de forma mais rápida e eficiente. O FDA americano lançou uma série de guias sobre o uso desses dados em questões regulatórias e tem incentivado o envio de resultados baseados em RWE, em conjunto com as informações já normalmente incluídas na documentação submetida à agência durante o processo de aprovação regulatória. Essas evidências são utilizadas no monitoramento da segurança e ocorrência de eventos adversos para drogas já comercializadas, além da tomada de decisões regulatórias. (FDA: Real-World Evidence).

Agências regulatórias da Europa também têm utilizado RWE em diferentes etapas do seu processo regulatório. No Brasil, a Anvisa já deu início a discussões, e tem investido em capacitação do seu corpo técnico, no que diz respeito à utilização de dados e evidência de vida real como insumos para tomada de decisão durante o processo regulatório. Além disso, no Reino Unido e na França já há experiências com a utilização de RWE em etapas do acesso como na tomada de decisões sobre reembolso, negociações de preço, acesso anterior à aprovação de comercialização em casos específicos, aprovação de comercialização e estudos pós comercialização ( Pulini et al, 2020 ).

Apesar do uso mais frequente em questões regulatórias, a geração de dados pode ocorrer durante todo o ciclo de vida do produto, seja para mostrar uma necessidade médica não atendida, como apoio de evidência para expansão do uso do produto ou como parte de estudos de farmacovigilância, por exemplo.

3 – O papel das associações pacientes no contexto do RWD e RWE

Como usuários das tecnologias de saúde (medicamentos, dispositivos médicos, vacinas, procedimentos) e principais interessados nos efeitos de determinado produto sobre sua saúde, tanto pacientes quanto seus representantes irão assumir uma relevância cada vez maior neste contexto de grande volume de dados (big data) e dos usos dos dados para análises.

Pacientes podem oferecer informações de grande relevância em todo o ciclo de vida do produto, como:

  • Perspectiva clínica: Demandas não atendidas pelas tecnologias existentes; definição de população-alvo para novos tratamentos (subgrupos de pacientes com necessidades de saúde específicas); efeitos da tecnologia, principalmente aqueles não observados durante os ensaios clínicos, que podem surgir em decorrência de uma exposição mais prolongada ao tratamento; maior ou menor efeito da tecnologia para grupos específicos.
  • Perspectiva econômica: desafios enfrentados devido ao custo dos medicamentos, contratação de profissionais de saúde e/ou cuidadores, ou da estrutura necessária à adesão ao tratamento, que pode envolver inclusive adaptações no domicílio do paciente.
  • Perspectiva humanista: desafios enfrentados durante a jornada do paciente que afetam a adesão ao uso da tecnologia.

Essas informações podem ser coletadas e armazenadas de forma estruturada pelas Associações de Pacientes, para posteriormente servirem como insumos de estudos que visam apoiar ações de advocacy em prol dos interesses de seus representados. Exemplos da utilidade do uso desses dados seriam a participação em processos regulatórios baseada em argumentos bem fundamentados, ou o apoio a ações de farmacovigilância após a aprovação de um produto.

Vale ressaltar que mídias sociais e aplicativos de saúde ainda são vistos como dados emergentes ou experimentais, pois podem conter uma série de vieses, que podem ser mais relevantes em situações em que o objetivo da coleta da informação não está tão claro. Por este motivo, é cada vez mais importante que os representantes dos pacientes adquiram conhecimento em pesquisa, uso de dados, desenhos de estudo e metodologias de análise, para que eles possam contribuir para o desenvolvimento de produtos que atendam às suas necessidades. Isso permite também que contribuam com o governo no monitoramento de efeitos das tecnologias aprovadas, da qualidade de vida do paciente com o uso daquela tecnologia, e suas potencialidades tanto para o público-alvo quanto
para novos usuários.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

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