QUINTA
CIENTÍFICA

DIA 20 Abril

Considerações éticas e usos metodológicos dos dados do Facebook em pesquisas em saúde pública: uma revisão sistemática

Considerações éticas e usos metodológicos dos dados do Facebook em pesquisas em saúde pública: uma revisão sistemática

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Este texto é baseado na resenha do seguinte artigo:
Lathan, H. S., Kwan, A., Takats, C., Tanner, J. P., Wormer, R., Romero, D., & Jones, H. E. (2023). Ethical considerations and methodological uses of Facebook data in public health research: A systematic review. Social Science & Medicine, 322, 115807. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2023.115807

Introdução

Este artigo tem como objetivo explorar as abordagens éticas e metodológicas utilizadas por pesquisadores em relação ao Facebook como fonte de dados para pesquisas de saúde pública. O Facebook é a rede social mais popular do mundo, com uma grande quantidade de dados publicamente disponíveis. No entanto, as preocupações com a privacidade e as críticas relacionadas à violação de privacidade tornam essencial estabelecer padrões éticos para o uso desses dados em pesquisas de saúde pública. Enquanto revisões anteriores examinaram os usos dessa rede em questões de saúde pública, nenhuma revisão de escopo examinou as considerações éticas e metodológicas relacionadas ao uso de dados do Facebook em pesquisas de saúde pública. Esse artigo busca preencher essa lacuna, fornecendo uma revisão sistemática das abordagens éticas e metodológicas utilizadas pelos pesquisadores em suas pesquisas de saúde pública baseadas em mídia social.

Desenho da revisão sistemática

Para a realização desta revisão sistemática, foram estabelecidos critérios de inclusão específicos. Foram considerados elegíveis os estudos que haviam sido revisados por pares, publicados em inglês entre 1º de janeiro de 2006 e 31 de outubro de 2019, que utilizaram dados de mídia social (Twitter, Facebook, Instagram, YouTube, Tumblr ou Reddit) para explorar problemas de saúde pública. Devido à quantidade de estudos encontrados, somente aqueles que utilizaram exclusivamente a rede social foram incluídos na análise, enquanto estudos que combinaram o uso do Facebook com outras plataformas de mídia social foram excluídos. Além disso, foram excluídos estudos que se tratavam de revisões sistemáticas ou de literatura, artigos teóricos, estudos de marketing ou pesquisa de vendas, intervenções de saúde pública, educação em saúde ou avaliações de divulgação, bem como aqueles que coletaram dados de pessoas sobre suas mídias sociais.

Dessa forma, foram extraídas as seguintes informações sobre o desenho de cada estudo: questão de pesquisa, propósito da pesquisa, palavras-chave relacionadas ao tema de saúde pública, desenho do estudo utilizado, país de origem da pesquisa ou do primeiro autor, foco geográfico da questão de pesquisa, descrição da amostra, tamanho da amostra de dados finais, período de coleta de dados, termos de pesquisa e critérios de inclusão e exclusão.

Como esses estudos lidaram com questões éticas

Dos 61 estudos analisados na revisão sistemática, apenas 10% obtiveram consentimento informado individual dos usuários do Facebook. Cinco acessaram dados privados fornecidos pelos próprios participantes. As abordagens para obtenção de consentimento variaram, com um estudo usando um formulário de consentimento online, e quatro estudos solicitando amizade no Facebook para acessar as páginas dos participantes. Um estudo optou por obter permissão dos administradores de grupos de fóruns abertos.

Os estudos que buscaram consentimento exploraram tópicos delicados, como o uso de substâncias e o comportamento do usuário do Facebook. Alguns estudos questionaram os danos ou consequências que poderiam advir para os usuários cuja atividade na rede foi observada ou usada para inferir características sobre eles. Além disso, dois estudos discutiram o aumento da conscientização dos usuários do Facebook sobre as configurações de privacidade e os ajustes resultantes nas configurações de privacidade que os usuários fizeram ou a própria ferramenta impôs em resposta às críticas sobre a privacidade dos dados do usuário.

Dois estudos compartilharam postagens verbais de usuários, mas não mencionaram a busca de consentimento informado. No entanto, ambos discutiram os riscos de privacidade de usuários que compartilham informações confidenciais de saúde on-line e a necessidade de desaconselhar essa prática ou revisar as leis de privacidade de saúde. Um estudo reconheceu que os usos dos dados do Facebook pelos pesquisadores provavelmente não se alinham com as intenções dos usuários de se envolver com a plataforma. Em resumo, embora alguns estudos tenham buscado consentimento informado, a maioria não incluiu nenhuma informação sobre consentimento informado, o que pode ser visto como uma questão ética preocupante no uso de dados do Facebook para pesquisas.

Tipos de análises identificadas usando os dados do Facebook

  • Análise de rede: caracterização das relações entre membros de grupo e interações entre usuários do Facebook sobre um tópico. Exemplos de tópicos abordados: câncer, câncer de mama, diálise, hipertensão, diabetes, vícios e abuso de substâncias, vacinação, entre outros.
  • Análise temática: análise qualitativa de dados baseados em texto para identificar temas comuns de postagens ou comentários de usuários do Facebook. Exemplos: pacientes com câncer, percepções das pessoas sobre alimentos fast-food, postagens sobre a atuação do CDC (Center of Disease Control), debates sobre eficácia de vacinas, entre outros.
  • Análise de sentimento: categorização de atitudes ou opiniões de grupos do Facebook ou postagens ou comentários de usuários individuais como pró/positivo, anti/negativo ou neutro/não relacionado. Exemplos: polarização do debate sobre vacinação.
  • Utilidade do Facebook como ferramenta de vigilância, previsão, preocupações do paciente e divulgação da saúde pública. Exemplo: divulgação de informações de nutrição e engajamento dos usuários para manterem-se informados sobre o tema.
  • Associação dos comportamentos dos usuários no Facebook e saúde mental. Exemplo: análise de postagens que indicam depressão ou stress dos usuários.
  • Uso do Facebook para identificar pessoas que podem exigir intervenções por meio de previsão e desenvolvimento de modelos. Exemplo: modelo preditivo para analisar a saúde mental de estudantes que estão em transição para a faculdade.

Discussão

O estudo analisou o uso de dados do Facebook em pesquisas relacionadas à saúde pública por meio de uma revisão sistemática e constatou a necessidade de desenvolvimento de diretrizes éticas para esse tipo de pesquisa. 

Percebeu-se variação na busca de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa para esses estudos, bem como na busca de consentimento informado dos usuários. É necessário um debate mais profundo entre comitês que avaliam pesquisas com seres humanos para tornar mais claras as diretrizes do uso de dados de redes sociais. Além disso, observou-se que muitos usuários do Facebook não têm consciência de que seus dados podem ser coletados e publicados em revistas de saúde pública, o que levanta questões de privacidade. Para proteger a privacidade dos usuários, recomenda-se que os pesquisadores deixem anônimos os dados do Facebook e obtenham consentimento prévio para sua inclusão em estudos.

Embora os dados do Facebook sejam utilizados de diversas maneiras criativas para estudos na área da saúde, a validação dos métodos de amostragem não está sempre alinhada com as abordagens analíticas. A amostragem de dados publicamente disponíveis no Facebook pode ser limitada em relação à dinâmica da rede, e a falta de acesso aos grupos privados e tópicos do Messenger limita as conclusões do estudo. Além disso, os dados do Facebook podem não ser representativos da população, dada a indicação de diferentes padrões de uso por idade e sexo.

Conclusão

A discussão sobre o uso de dados de mídia social em pesquisa de saúde pública é um tópico cada vez mais relevante e importante. Por um lado, os dados coletados a partir dessas plataformas oferecem uma oportunidade única para entender as opiniões e comportamentos das pessoas em relação a uma ampla gama de questões de saúde. Por outro lado, há preocupações legítimas sobre a privacidade dos usuários e a ética do uso desses dados sem o seu consentimento explícito.

Uma das principais preocupações é a proteção das informações dos usuários. Embora esses dados estejam publicamente disponíveis, muitos usuários podem não estar cientes de que suas postagens e comentários podem ser usados em pesquisas. Portanto, é crucial que os pesquisadores sigam as diretrizes estabelecidas para proteger os dados dos usuários e garantir que as informações não sejam usadas de maneira que possa identificar os indivíduos.

Os pesquisadores também devem considerar como proteger os indivíduos por meio de padrões estabelecidos pelo campo da saúde pública, e não por profissionais de marketing ou empresas de mídia social. O dever de cuidado se aplica a qualquer pessoa envolvida na pesquisa, independentemente do ambiente de privacidade de uma pessoa, especialmente quando os pesquisadores decidiram envolver unilateralmente um cidadão particular em sua pesquisa.

Além disso, é importante que os pesquisadores tenham acesso a amostras representativas da população para garantir que suas descobertas sejam generalizáveis. Embora os dados do Facebook sejam publicamente disponíveis, não está claro se a amostragem desses dados pode gerar descobertas representativas da população maior. A falta de acesso à miríade de grupos privados do Facebook e tópicos do Messenger limita as conclusões do estudo. Portanto, é importante que os pesquisadores considerem cuidadosamente a amostragem e a validação dos dados ao usar dados de mídia social em pesquisas de saúde pública.

A pesquisa de saúde pública baseada em mídia social oferece muitas oportunidades para entender as opiniões e comportamentos das pessoas em relação a questões de saúde. No entanto, é importante que os pesquisadores sejam éticos e responsáveis ​​ao usar esses dados. Os módulos de treinamento sobre ética em pesquisa e proteção de seres humanos devem ser expandidos para incluir considerações éticas ao acessar dados de mídia social públicos ou privados. Além disso, os pesquisadores devem ser guiados pelos padrões estabelecidos pela comunidade de saúde pública e pelas expectativas públicas de privacidade e uso de dados.

Por que indicamos esse artigo:

  • Esse artigo complementa a discussão de quintas científicas anteriores que debatemos usos de dados públicos e coleta de informação via Processamento de Linguagem Natural.  A implicação ética do uso de dados de redes sociais é fundamental ao se pensar uma pesquisa que use modelos que coletam dados dessas fontes,
  • Por meio de uma revisão sistemática, o artigo identifica oportunidades de uso de dados do Facebook para pesquisas em saúde pública. Explora a diversidade de informações disponíveis na plataforma, como dados demográficos, comportamentais e de saúde,
  • O artigo examina como os pesquisadores têm abordado questões éticas ao usar dados do Facebook em pesquisas de saúde pública. Destaca desafios como privacidade e consentimento informado dos usuários,
  • O artigo ajuda os leitores a entender melhor como os dados de redes sociais são usados em pesquisas, quais tipos de dados podem ser coletados e quais são as implicações éticas do compartilhamento de informações. Oferece insights sobre como os pesquisadores podem abordar questões éticas ao coletar e analisar dados de redes sociais.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

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