QUINTA
CIENTÍFICA

DIA 11 Maio

Histórias de sobrevivência ao câncer: percepção, criação e possíveis aplicações

Histórias de sobrevivência ao câncer: percepção, criação e possíveis aplicações

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Este texto é baseado na resenha do seguinte artigo:

Canella C, Inderbitzin M, Oehler M, Witt CM, Barth J. Cancer survival stories: perception, creation, and potential use case. Health Expect. 2023;1‐11. doi:10.1111/hex.13760

Introdução

Este artigo é um estudo sobre histórias de sobrevivência ao câncer e como elas podem ser usadas para fornecer informações, educação e melhorar o enfrentamento da doença. O trabalho analisado foi realizado com uma abordagem científico cidadã cocriativa, com métodos de pesquisa quantitativos e qualitativos, que envolveu a participação ativa dos pacientes e sobreviventes de câncer na criação de suas narrativas. 

As associações de pacientes, muitas vezes, usam narrativas e depoimentos de sobreviventes de câncer para fornecer apoio emocional e inspiração a outros pacientes. Essa abordagem participativa na criação dessas histórias ajuda a capacitar os pacientes e oferecer-lhes um senso de urgência em sua própria jornada na doença. 

Cenário

Um comunicado da Organização Mundial da Saúde alertou para o número de novos casos de câncer em todo o mundo em 2020: 19,3 milhões. Esses dados indicam que uma em cada cinco pessoas desenvolverá câncer em algum momento de suas vidas. Além disso, com um número crescente de terapias eficazes contra a doença, o número de sobreviventes (ou seja, pacientes com câncer após cinco anos de seu diagnóstico) tem aumentado constantemente.

Por exemplo, em 2020, o número de sobreviventes de câncer foi de aproximadamente 50,6 milhões de pessoas. Com esse número, há uma consciência crescente da necessidade de cuidados de suporte, especialmente após o tratamento. Existem preocupações específicas sobre os altos custos de saúde causados pelo câncer e, mais importante, os encargos cognitivos, físicos, emocionais e espirituais na qualidade de vida, produtividade e participação social dos sobreviventes do câncer.

De forma geral, as pessoas com câncer procuram informação sobre o seu estado de saúde de várias formas, na internet, em plataformas online e nas redes sociais. As narrativas dos pacientes se firmaram como uma forma de fornecer informação e educação, bem como uma abordagem eficaz para melhorar o enfrentamento da doença. Um exemplo de plataforma online, estabelecida para os pacientes com câncer, é a Dipex Charity: https://healthtalk.org/The-Dipex-Charity

Neste artigo são feitas referências a essas narrativas de pacientes com câncer como ‘histórias de sobrevivência ao câncer’. Aqui, o termo sobrevivência refere-se às formas de enfrentamento durante a jornada do câncer e não às taxas de sobrevivência. Drewniak e colegas forneceram uma revisão sistemática dos riscos e benefícios das narrativas de pacientes baseadas na web, onde concluíram que são de suporte geral; no entanto, eles também são difíceis de medir quantitativamente. Até o momento, as narrativas dos pacientes têm sido predominantemente investigadas por meio da aplicação de métodos de pesquisa qualitativos. 

Foi demonstrado que as histórias de sobrevivência ao câncer podem efetivamente informar e educar os pacientes sobre possíveis tratamentos. Um conceito subjacente importante é o peer-to-peer, onde os pares são educados para apoiar as pessoas afetadas pela doença com base em um relacionamento de confiança e alta credibilidade. Além disso, as histórias de sobrevivência ao câncer podem ajudar os pacientes a lidar melhor com os desafios psicológicos. As narrativas dos contadores de histórias adicionam um toque pessoal ao conteúdo. Em comparação com informações impessoais, as histórias de sobrevivência ao câncer também podem provocar respostas afetivas positivas (assim como negativas) mais fortes dos pacientes.

Existem razões significativas para usar uma abordagem de ciência cidadã na pesquisa em saúde. A priorização dos valores e das necessidades dos pacientes incorporada ao conceito de medicina baseada em evidências levou ao desenvolvimento de abordagens cada vez mais participativas na pesquisa em saúde. As partes interessadas devem, no mínimo, ter voz e, na melhor das hipóteses, o direito de participar do desenvolvimento do processo de pesquisa, conduzir a análise e coautorizar a publicação dos resultados. Especificamente, a pesquisa em saúde deve incorporar as prioridades, valores e necessidades dos indivíduos afetados por uma condição de saúde. A ciência cidadã é uma abordagem adequada para aplicar essa afirmação na prática.

O estudo teve enfoque nas narrativas de câncer, explorando a percepção das histórias com uma abordagem metodológica de ciência cidadã altamente participativa. Não foram avaliados os resultados clínicos. 

A Fundação My Survival Story produz narrativas pessoais de sobreviventes de câncer em todo o mundo e com diferentes tipos de câncer. As histórias são compartilhadas online gratuitamente na forma de vídeos e podcasts. Os vídeos variam entre três e cinco minutos, enquanto os podcasts ficam entre 15 e 20 minutos. A maioria das histórias está na língua inglesa, mas também existem depoimentos em espanhol, alemão suíço e japonês (todos com legendas em inglês). O artigo se refere às histórias da Fundação My Survival Story como ‘minhas histórias de sobrevivência’.

De modo geral, o objetivo do estudo foi investigar as percepções, potencialidades e desafios das histórias de sobrevivência ao câncer. Com métodos de pesquisa quantitativos e qualitativos, foram investigadas diferentes questões de pesquisa inter-relacionadas com as partes interessadas (pacientes com câncer, seus parentes, amigos e profissionais de saúde): 

  1. Com uma pesquisa online, foram investigadas como as partes interessadas percebem e avaliam as narrativas da ‘minha história de sobrevivência’;
  2. Em entrevistas qualitativas, as partes interessadas responderam como elas percebiam as narrativas, quais aspectos eram significativos e se poderiam ser úteis para lidar melhor com suas próprias jornadas de câncer,
  3. Em um workshop, foram exploradas maneiras pelas quais as partes interessadas poderiam desenvolver e registrar sua própria ‘história de sobrevivência’ e fornecer apoio de colegas. 

Abordagem da ciência cidadã cocriativa

A abordagem da ciência cidadã cocriativa e participativa usou métodos de pesquisa quantitativos e qualitativos em 2020, e seguiu os dez princípios descritos pela European Citizen Science Association. Além disso, foi usada uma tipologia cocriativa do grau de participação cidadã, o que significa que pelo menos alguns cidadãos estão igualmente envolvidos e responsáveis como os pesquisadores em todas as etapas do projeto de pesquisa.

Uma equipe central composta por um membro da Fundação My Survival Story e dois membros do Hospital Universitário de Zurique estiveram igualmente envolvidos durante todo o processo de pesquisa. Além disso, diferentes stakeholders (profissionais de saúde, sobreviventes de câncer, parentes e amigos) participaram ativamente do projeto. Um moderador de processo externo apoiou todo o processo de pesquisa, promovendo uma colaboração construtiva e equilibrada entre todas as partes interessadas e a equipe de pesquisa.

Foi usada uma pesquisa online quantitativa para avaliar a compreensão, os benefícios percebidos, as reações emocionais às ‘minhas histórias de sobrevivência’ e se elas são percebidas como favoráveis por uma ampla gama de partes interessadas. Paralelamente, as partes interessadas concederam entrevistas online qualitativas semiestruturadas e participaram de um workshop online. Tanto as entrevistas quanto a oficina foram gravadas em vídeo. No workshop, foram apresentados diferentes formatos de narrativa às partes interessadas e dicas práticas sobre como a plataforma My Survival Story poderia ser desenvolvida para uma plataforma ‘Do-It-Yourself’, onde as partes interessadas poderiam incluir diretamente suas histórias.

No projeto, a cocriação aconteceu em dois níveis: (1) dentro da equipe principal e (2) entre a equipe principal e as partes interessadas, criando conteúdos durante o workshop. A equipe principal compartilha o interesse na pesquisa do câncer, tanto como pesquisadores quanto como pessoas afetadas pelo câncer, e tem como objetivo promover o enfrentamento do câncer. 

Pesquisa online

O objetivo da pesquisa online foi a avaliação dos vídeos e podcasts da plataforma My Survival Story por diferentes stakeholders. Foram recrutados participantes por meio do site e boletim informativo do Instituto, bem como do site My Survival Story, boletim informativo e canais de mídia social. As partes interessadas eram elegíveis se fossem pacientes com câncer independente do estado da doença e tratamento, sobreviventes, parentes ou amigos de pacientes com câncer. Todos os participantes receberam informações semelhantes no anúncio inicial do estudo para se inscreverem na pesquisa (via boletim informativo, Facebook, etc.) e receberam informações adicionais sobre o objetivo do projeto. Os dados foram coletados eletronicamente entre agosto e novembro de 2020 por meio de uma pesquisa online (SoSci Survey). Nessa pesquisa, as partes interessadas foram alocadas para uma mídia específica, mas tiveram a oportunidade de avaliar mais de uma, caso optassem por outra rodada de avaliação.

Como dados de linha de base, foram avaliadas as seguintes categorias:

Variáveis sociodemográficas:

  • idade, sexo, diagnóstico de câncer, ano de diagnóstico, estado de tratamento vs. relacionamento com um paciente com câncer e país de origem

Consumo de mídia de informação

  • estar sozinho enquanto assiste à mídia e ao dispositivo utilizado

Como dados de resultado, a avaliação englobou as seguintes quatro dimensões: 

  • a capacidade de compreensão da mídia, 
  • os benefícios percebidos (para si e para os outros), 
  • enfrentamento das dificuldades associadas ao câncer,
  • reações emocionais à história (relaxamento, emoções positivas e negativas)

Estatísticas descritivas (por exemplo, números e porcentagens para variáveis categóricas e dicotômicas; médias e desvios padrão para variáveis contínuas) foram feitos para os dados sociodemográficos, informações clínicas, e dados de resultado. As análises foram conduzidas para todas as mídias e estratificadas de acordo com as características da mídia e do usuário (ou seja, vídeo x podcast, paciente x parente/amigo e correspondência x incompatibilidade com o gênero do protagonista). Todas as análises foram realizadas usando um software chamado IBM SPSS 26. Foram usados dados originais e não houve necessidade de imputar dados porque o número de dados ausentes por item era muito baixo (<5%).

Processo participativo qualitativo

No processo participativo qualitativo, foi feito o método de avaliação qualitativa rápida da seguinte forma:

  • Aplicação de entrevistas
  • Workshop com as partes interessadas 

Durante o recrutamento, foram priorizados sobreviventes de câncer e familiares e, em segundo plano, profissionais de saúde e outros representantes, por exemplo, de organizações de pacientes, ONGs, indústria da saúde e política, porque foram considerados os primeiros como principais interessados na experiência das narrativas. Foram incluídos sobreviventes de câncer independentemente do tipo de câncer, estado da doença e tratamento. Além disso, buscou-se coletar dados saturados, ou seja, um amplo espectro de experiências relatadas, sobre a avaliação do conteúdo, o enquadramento das ‘minhas histórias de sobrevivência’ e as relações expressas com as situações específicas. Durante o processo de recrutamento, devido à pandemia de COVID-19 e à duração do estudo, os pesquisadores tiveram contratempos e dificuldades.

Para analisar os dados qualitativos, foi usado o Software MAXQDA, o método de avaliação qualitativa rápida escrevendo diários de pesquisa, usando planilhas para manter a visão geral dos dados e resumir as entrevistas e as oficinas. A cada parágrafo foram vinculados esses resumos às respectivas gravações em vídeo e transcritas parcialmente as principais declarações. Foram identificados os principais temas relacionados às questões de pesquisa, reunindo indutivamente todos os dados dos diários de pesquisa, planilhas, resumos, vídeos e transcrições. Para cada etapa da análise de dados, foi realizado um processo de validação entre dois membros da equipe principal (um pesquisador e um cidadão) para verificar a confiabilidade e robustez da análise de dados. Posteriormente, os resultados foram debatidos com os coautores, o moderador do processo e os participantes do workshop das partes interessadas.

Resultados

Foram analisadas 165 pessoas. A população de análise foi composta por partes interessadas com um total de 207 mídias avaliadas. Aproximadamente 25% dos stakeholders assistiram a mais de um episódio de vídeo/podcast. Os stakeholders eram principalmente da Suíça (34,5%), Estados Unidos da América (23%) e outros países europeus (exceto Suíça/Alemanha com 10,8%). Outros países/continentes declarados como origens foram o Reino Unido, Ásia, Alemanha, América do Sul, Canadá, Austrália, África e outros países. A maioria dos stakeholders (96,1%) assistiu ao vídeo ou ouviu o podcast sozinho, e 89,3% dos stakeholders terminaram o vídeo/podcast. O dispositivo mais utilizado foi o telemóvel (67%), seguido do computador (25,6%) e tablet (7,4%).

O artigo em inglês apresenta o detalhamento de todos os indicadores mencionados.  

No geral, todos os meios de comunicação foram avaliados como muito positivos e as partes interessadas acharam as histórias fáceis de entender e transmitir uma mensagem clara. Além disso, eles perceberam as histórias como benéficas, o que significa que gostariam de ver ou ouvir mais histórias semelhantes e recomendariam esse tipo de história a outras pessoas afetadas pelo câncer.

As partes interessadas perceberam as histórias como um apoio para lidar com a situação e como uma motivação para continuar o tratamento do câncer ou para apoiar alguém que está recebendo tratamento para o câncer. Como reação emocional, o consumo de mídia foi percebido como sendo moderadamente relaxante (calmo/relaxado), mas evocando fortes emoções positivas (esperançoso/inspirado). Da mesma forma, as emoções negativas ao consumir a mídia foram classificadas como bastante baixas (estressado/ preocupado/ansioso/irritado).

Foram conduzidas quatro entrevistas online qualitativas semiestruturadas face a face e um grupo focal com três membros da família. Dois desses membros da família também eram sobreviventes do câncer. No total, foram entrevistados quatro sobreviventes de câncer, três familiares, um amigo de vários sobreviventes de câncer e uma enfermeira de câncer. 

As citações foram originalmente em alemão suíço e alemão e foram traduzidas para o inglês pelos autores. O foco, a forma, a extensão e a estética de ‘minhas histórias de sobrevivência’ foram muito apreciadas pelas partes interessadas. As partes interessadas apoiaram ambos os formatos de mídia (áudio e vídeo).

Embora a maioria das partes interessadas tenha preferido o vídeo porque eles poderiam ‘se relacionar visualmente com os contadores de histórias’, algumas partes interessadas preferiram o áudio porque fornece um ‘espaço aberto para sua própria imaginação’.

A maioria das partes interessadas preferiu assistir ou ouvir ‘minhas histórias de sobrevivência’ sozinhas em suas casas. No entanto, eles também destacaram que as preferências sobre onde, quando e com quem ouvir as histórias são altamente individualizadas.

O momento em que as partes interessadas começaram a ouvir ‘minhas histórias de sobrevivência’ durante sua própria jornada de câncer dependeu de quando foram informados pela primeira vez sobre a existência desta plataforma. Alguns pacientes começaram a ouvir as histórias logo após o diagnóstico, e outros pacientes começaram a ouvir durante o tratamento do câncer, após o tratamento do câncer e durante o estágio de sobrevivência. As partes interessadas destacaram que acreditam que não há ‘nenhum ponto comum e mais adequado no tempo durante a jornada do câncer’ para ouvir ‘minhas histórias de sobrevivência’, pois é ‘altamente individualizado’ quando alguém se beneficia ao máximo com as histórias.

Foram identificadas quatro características principais das ‘minhas histórias de sobrevivência’ que as partes interessadas consideraram especialmente úteis: 

1. atitudes positivas em relação à vida,

2. incentivo às jornadas de câncer (encorajadoras),       

3. estratégias individuais de enfrentamento para os desafios cotidianos e,

4. vulnerabilidades compartilhadas abertamente.         

O distanciamento de tipos específicos de câncer e terapias permitiu que as partes interessadas se relacionassem com tópicos com os quais a maioria das pessoas afetadas pelo câncer se depara, como ‘contar aos filhos’ ou ‘como voltar à vida normal’ após o tratamento do câncer.

A maioria das partes interessadas destacou que todos os afetados pelo câncer são ‘indivíduos com necessidades diferentes em momentos diferentes’. Portanto, elas optaram por uma abordagem orientada para a necessidade futura de novas histórias para serem registradas. Eles também desejavam que as histórias fossem registradas em diferentes idiomas, a partir da perspectiva de parentes ou amigos e mais histórias sobre estratégias individuais de enfrentamento dos desafios cotidianos.

Algumas pessoas consideraram as histórias de situações paliativas ou de fim de vida potencialmente problemáticas quando questionadas sobre que tipo de histórias não deveriam ser produzidas no futuro. Eles também acreditam que as ‘minhas histórias de sobrevivência’ não são adequadas para pessoas que perderam entes queridos para o câncer. Além disso, outras pessoas argumentaram que não deveriam ser disseminadas ´histórias de sobreviventes de muita sorte’, em que ‘pacientes com câncer com expectativa de vida muito baixa viveram felizes para sempre’.

Eles discutiram que tais histórias podem ‘causar falsas expectativas’ nas pessoas que assistem a esses vídeos ou podem piorar a depressão ou luto de pessoas que estão em situação de fim de vida ou que perderam entes queridos para o câncer.

Oficina de cocriação

Todos os envolvidos estavam entusiasmadas em compartilhar suas próprias histórias e experiências. Por esse motivo, foi realizado um workshop online com três sobreviventes de câncer interessados e um amigo dos entrevistados, onde eles gravaram suas próprias histórias usando seus smartphones.

Com o workshop, foram exploradas maneiras pelas quais as pessoas poderiam desenvolver e registrar sua própria ‘minha história de sobrevivência’ e carregá-la em uma potencial ‘plataforma faça-você-mesmo-minha história de sobrevivência’. O objetivo era envolver os participantes com histórias curtas e vídeos de instruções técnicas, bem como com gravações de smartphones de baixa tecnologia. Os envolvidos registraram suas histórias duas vezes:

1 – Na primeira, receberam apenas um período de gravação geral de 5 minutos no máximo, sem quaisquer outras indicações (exceto a instrução de escolher uma situação desafiadora durante a jornada do câncer, para a qual encontraram uma boa estratégia de enfrentamento);

2 – Na segunda, receberam duas instruções curtas sobre configurações técnicas, como luz, fundo, áudio e exemplos de formatos de narrativa, como a ‘jornada dos heróis’, ‘anedota’ ou ‘história em três atos’. As segundas gravações dos stakeholders aumentaram em qualidade em relação ao cenário técnico e estrutura das histórias.

Quando perguntados sobre seus comentários no final do workshop, aqueles que gravaram suas narrativas disseram que gostariam de ter tido uma troca mais intensa com outras pessoas sobre suas histórias, além de um ciclo de feedback antes da publicação. Como todos os entrevistados destacaram que o foco em uma atitude positiva perante a vida e o incentivo a estratégias de enfrentamento são cruciais para as ‘minhas histórias de sobrevivência’, as gravações da oficina podem ter se beneficiado de uma instrução mais clara sobre esses tópicos, pois as narrativas dos participantes da oficina geralmente focam em diagnósticos e jornadas de tratamento mais do que em mecanismos de enfrentamento.

Foi observado que uma plataforma Do-It-Yourself seria tecnicamente viável, mas que as histórias gravadas ainda se beneficiariam do feedback para garantir que as principais características das ‘minhas histórias de sobrevivência’ fossem preservadas. Atualmente, é um desafio fornecer os recursos para fornecer feedback às histórias Do-It-Yourself carregadas na plataforma.

Moderação de processo externo

Um moderador de processo externo apoiou a equipe principal no estabelecimento de uma colaboração construtiva e equilibrada entre todas as partes interessadas (entrevistados, participantes do workshop, cidadãos) e a equipe de pesquisa. O moderador do processo esteve presente durante os workshops com a equipe principal, bem como durante o workshop cocriativo com outras partes interessadas. O papel dos moderadores ficou evidente nos seguintes processos: o estabelecimento de uma linguagem comum entre cidadãos e investigadores; estabelecimento de canais de comunicação de trabalho; reflexão sobre as diferentes culturas de trabalho; explicação do que  ‘fazer’ e ‘não fazer’ na colaboração; definição de recursos e responsabilidades; gestão do tempo; documentação do processo e criação de um ambiente no qual os membros da equipe podem contribuir de forma otimizada com sua própria experiência e criatividade.

Discussão

As histórias de sobrevivência ao câncer foram consideradas benéficas, e podem potencialmente apoiar emoções positivas e lidar com pessoas afetadas pelo câncer, independentemente das características das partes interessadas e formatos de mídia. Os autores identificaram quatro características principais das histórias que evocaram essas emoções positivas e que todos os participantes consideraram especialmente úteis: 

  1. atitudes positivas em relação à vida, 
  2. encorajamento de jornadas de câncer, 
  3. estratégias individuais de enfrentamento para os desafios cotidianos e 
  4. vulnerabilidades compartilhadas abertamente.

Com o crescente número de sobreviventes de câncer e a subsequente necessidade de tratamento de suporte contra o câncer, histórias de sobrevivência podem ser uma opção para fornecer informações e educação, bem como melhorar o enfrentamento da doença. O estudo contribuiu para obter conhecimento transformador sobre ‘minhas histórias de sobrevivência’, aplicando uma abordagem de científico cidadã cocriativa.

As características identificadas das ‘minhas histórias de sobrevivência’ podem ser transferíveis para narrativas de outras doenças. Foi demonstrado anteriormente que ouvir ou observar as experiências de colegas pode apoiar as pessoas em suas próprias jornadas em uma variedade de doenças. A importância desse apoio de pares também é visível no número crescente de plataformas de pares de acesso livre de governos, grupos de pesquisa internacionais e iniciativas privadas. Além disso, as narrativas dos pacientes também podem ajudar os médicos a entender melhor as experiências e necessidades de seus pacientes.

Em geral, um desafio para futuras histórias de sobrevivência ao câncer e ferramentas digitais de saúde é sua sustentabilidade. Eles precisam ter curadoria em termos de conteúdo para mudanças de configurações, tratamentos de câncer e desenvolvimentos culturais e sociais. Além disso, as histórias são sensíveis ao tempo e à cultura; assim, seria melhor adicionar constantemente novas histórias em diferentes idiomas, de diferentes culturas e de diferentes grupos de interessados. Para alcançar este objetivo, são necessários recursos humanos e financeiros sustentáveis. 

Atualmente, com a tecnologia em rápida evolução exigindo constantes adaptações de sistemas, a sustentabilidade técnica das plataformas online é um desafio adicional, assim como a sustentabilidade financeira. Em contraste, muitas plataformas online são gratuitas e facilmente acessíveis para a maioria das pessoas, o que as torna uma ferramenta facilmente aplicável para informação e educação do paciente. 

Pontos fortes

A adoção da combinação de uma pesquisa online quantitativa com entrevistas qualitativas e um workshop cocriativo com as partes interessadas permitiu a investigação de que tipos de emoções são evocadas pelas histórias de sobrevivência ao câncer nas partes interessadas, bem como qual conteúdo das histórias é considerado para apoiar as pessoas afetados pelo câncer em suas próprias jornadas.

Limitações

  • Número limitado de partes interessadas devido ao surto da pandemia de COVID‐19, em que as pessoas afetadas pelo câncer ficaram especialmente vulneráveis e os profissionais de saúde ficaram consideravelmente sobrecarregados,
  • Interrupção temporária da pesquisa com participantes vulneráveis (como pacientes com câncer) no hospital, o que fez com que o recrutamento se tornasse um desafio, 
  • Na pesquisa online, a comparação entre histórias individuais se torna mais limitada, pois é difícil identificar diferenças em características específicas das histórias, bem como a forma como foram narradas,
  • A amostra não foi representativa em relação à população geral afetada pelo câncer (por exemplo, identidade de gênero, educação, idade e tipo de câncer), pois foram recrutados participantes principalmente por meio das redes sociais.

Incluir mais pessoas afetadas pelo câncer e, especificamente, incluir pessoas com mentalidade negativa em ‘minhas histórias de sobrevivência’ pode ter resultado em insights adicionais sobre características relevantes, bem como necessidades e desafios para futuras histórias de sobrevivência. Em geral, o recrutamento das partes interessadas foi limitado aos indivíduos que entendem o inglês bem o suficiente para acompanhar as ‘minhas histórias de sobrevivência’ por meio de vídeo ou podcast. Fornecer as narrativas em mais idiomas diferentes as tornaria acessíveis a mais pessoas afetadas pelo câncer.

Conclusão

Histórias de sobrevivência ao câncer têm o potencial de apoiar emoções positivas e enfrentamento em pessoas afetadas pelo câncer. Uma abordagem de ciência cidadã é adequada para identificar características relevantes de histórias de sobrevivência ao câncer e pode se tornar um recurso de apoio educacional útil para pessoas que lidam com o câncer. O artigo mostra como a abordagem da ciência cidadã cocriativa, em que cidadãos e pesquisadores estiveram igualmente envolvidos ao longo de todo o projeto, traz benefícios reais ao envolvidos.

Juntamente com as partes interessadas, foram identificadas no trabalho quatro características principais que evocam emoções positivas e que foram consideradas especialmente úteis: (1) atitudes positivas em relação à vida, (2) encorajar jornadas de câncer, (3) estratégias individuais de enfrentamento para desafios cotidianos e (4) compartilhar abertamente as vulnerabilidades.

As narrativas de pacientes com câncer se estabeleceram como uma forma de fornecer informações e educação, mas também como uma abordagem para melhorar o enfrentamento da doença. Compreensibilidade e benefícios percebidos das histórias de sobrevivência ao câncer, enfrentamento, reações emocionais às histórias e características úteis das histórias foram os pontos mais abordados pelos participantes do projeto.

As histórias de sobrevivência ao câncer potencialmente apoiam emoções positivas e enfrentamento em pessoas afetadas pelo câncer, independentemente das características das partes interessadas e formatos de mídia. Histórias de sobrevivência ao câncer podem ser uma fonte adicional viável de apoio para informações e educação de pacientes com câncer. Uma abordagem de ciência cidadã é adequada para identificar as características relevantes das histórias de sobrevivência ao câncer que podem apoiar as pessoas afetadas pelo câncer durante suas jornadas de câncer.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

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Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

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