QUINTA
CIENTÍFICA

DIA 10 Agosto

Podemos permitir a exclusão de pacientes do processo de avaliação de tecnologias em saúde?

Podemos permitir a exclusão de pacientes do processo de avaliação de tecnologias em saúde?

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Este texto é baseado na resenha do seguinte artigo:   Wale JL, Chandler D, Collyar D, Hamerlijnck D, Saldana R, Pemberton-Whitely Z. Can We Afford to Exclude Patients Throughout Health Technology Assessment? Front Med Technol. 2022 Jan 25;3:796344. doi: 10.3389/fmedt.2021.796344

Contextualização

Avaliação de Tecnologias de Saúde (ATS) têm a intenção de determinar o valor das tecnologias em saúde e, uma vez que a tecnologia é recomendada para financiamento, unir a pesquisa clínica à prática clínica. Entender os valores e crenças expressos pelos pacientes e pelos profissionais de saúde pode ajudar a guiar essa transferência de conhecimento e trabalhar para manejar as expectativas dos usuários finais. Os autores uniram experiências de pacientes e lideranças de pacientes para ganhar insights sobre as funções que os pacientes e seus representantes estão tendo no sistema.

Os autores discutem que por meio de parcerias e cocriação entre profissionais de ATS, pesquisadores e advocates dos pacientes é possível fortalecer o processo de ATS e melhor alinhar a provisão dos serviços onde o cuidado centrado na pessoa e a decisão compartilhada para tomada de decisão são elementos-chave.

Experiências do paciente são importantes para a democratização da evidência e legitimação da ATS. Há uma mudança cultural ocorrendo no processo de ATS e no futuro os pacientes podem ser envolvidos em cada passo do processo de ATS.

Envolvendo pacientes em ATS

A pandemia de Covid-19 provocou muitas mudanças no sistema de saúde, como difusão da telemedicina e pesquisas clínicas descentralizadas, além de promover maior colaboração internacional. Agências regulatórias, como a da Inglaterra, estão construindo estratégias para envolver o paciente em suas decisões, seguindo caminhos da agência europeia (EMA) e dos Estados Unidos (FDA).

Na ATS, os últimos anos têm sido marcados pela mudança do “deveríamos envolver pacientes em ATS” para “podemos nos dar ao luxo de excluir pacientes” e “chamado para ação”. Atualmente o envolvimento do paciente é limitado em seu escopo e barreiras ao seu envolvimento incluem ausência de informação a pacientes e público sobre ATS e ausência de políticas, além da necessidade de uma mudança cultural. Os “espaços de convite” para participação do paciente têm sido estabelecidos pela política e prática de ATS e oferecem oportunidades para ampliação por meio de discussão mútuo.

A Tabela abaixo mostra mensagens que convidam a um fortalecimento do envolvimento do paciente em tecnologias de saúde:

Argumentos das razões pelas quais os pacientes deveriam ser envolvidos em ATS:

  • Do ponto de vista dos direitos do paciente, eles têm o direito de participar no planejamento e provisão do seu cuidado, enquanto a ATS determina os serviços, procedimentos e tecnologias disponíveis a eles. Isso cria confiança no sistema de saúde.
  • Valor para os pacientes é central para deliberações sobre ATS e para os sistemas de saúde.
  • Pacientes podem oferecer insights importantes para informar a tomada de decisão em ATS.
  • Sob o ponto de vista metodológico, pacientes podem ajudar na evolução das metodologias de ATS.

Chamado para ação para agências de ATS e todos os stakeholders para trabalharem juntos para um envolvimento significativo com o paciente

  • Objetivo 1: Trabalhar em conjunto com proposta compartilhada
  • Objetivo 2: Mudar a cultura de ATS, com integração do envolvimento do paciente
  • Objetivo 3: Alinhar com objetivos das agências de ATS, para melhorar os resultados em saúde – e promover um impacto positivo nas populações a que se destinam as avaliações.
  • Objetivo 4: Envolver o paciente em cada passo da ATS
  • Objetivo 5: Transformar o pensamento para envolver lideranças de pacientes, com uso de uma linguagem que unifique os públicos

Será que podemos nos permitir excluir pacientes das avaliações de tecnologia?  

Passos necessários para assegurar melhor uso do gasto em saúde:

  • Trazer ATS para mais perto de outras partes do sistema de saúde – é preciso trabalhar como parceiros e cocriar o envolvimento do paciente em ATS
  • Aumentar a transparência e confiança no desenvolvimento da tecnologia, regulação e financiamento informado por ATS – todos precisam ser honestos sobre os diferentes vieses.
  • Ativar uma forma de conscientizar e criar um sistema de prestação de contas sobre como as tecnologias são usadas em sistemas de saúde

Em junho de 2021, a INAHTA, agência internacional que agrega várias agências de tecnologias em saúde no mundo, disse que “o envolvimento do paciente é reconhecido pela INAHTA como um elemento importante e valioso na condução de ATS”. Em uma sessão plenária no encontro anual do HTAi de 2021 sobre “Pacientes no Coração da Inovação”, um chamado foi feito para uma ATS mais centrada na pessoa.

Parece haver um consenso de que é preciso fazer mais e melhor. Quando agências de ATS pedem a contribuição dos pacientes, em geral o fazem consultando representantes de pacientes para ajudar nas deliberações. Uma vez recebidos, as colaborações dos pacientes podem ser difíceis de incorporar nas recomendações e relatórios do comitê e na avaliação formal. Discussões estão ocorrendo para superar algumas dessas barreiras.

Estamos vendo mudança na abordagem?

Profissionais de ATS estão buscando por formas mais “científicas” de incluir perspectivas dos pacientes, como por meio de síntese de estudos qualitativos para oferecer evidência dos pacientes. Estudos de preferências do paciente estão sendo realizados para além de estudos econômicos para elaborar evidência de testes clínicos para uma intervenção ou tecnologia.

Enquanto nos Estados Unidos a “digestão” destas abordagens estão mais lentas, na Europa a Iniciativa de Medicamentos Inovadores (IMI – Innovative Medicines Initiative) fundou o PREFER, projetos que envolvem grupos de pacientes para oferecer um guia para indústria, autoridades reguladoras e membros de ATS sobre como e quando incluir estudos de preferência dos pacientes em riscos e benefícios para medicamentos.

A abordagem do PREFER cobre medidas validadas dos PROMs, resultados reportados por clínicos e resultados reportados por observador dentro de um contexto de doença. Isto é usado para ponderar a evidência dos ensaios clínicos. Porém, não é tão claro como os estudos de preferência se relacionam com inputs dos pacientes no processo de ATS e como eles promovem o envolvimento ativo de grupos de pacientes.

Outro projeto, chamado Observatório de Resultados em Saúde IMI H20 envolve grupos de pacientes na criação de modelos de infraestrutura e governança de dados para coletar os PROMs e incorporá-los na tomada de decisão no nível individual e populacional. Pacientes possuem controle sobre seus dados neste projeto. Estudos qualitativos usados para informar estudos de preferências dos pacientes são o tipo de estudo que estão tornando os PROMs mais significativos e poderiam ajudar pacientes individuais e grupos de pacientes a monitorar melhor suas condições de saúde e os efeitos dos tratamentos. PROMs são ferramentas importantes para capturar o que importa para os pacientes. Dados reportados pelos pacientes não somente têm o poder de empoderar pacientes no controle de suas próprias condições de saúde, mas também contribuem para um conhecimento mais amplo que podem informar o setor saúde de maneira geral, incluindo processos de ATS.

Como podemos facilitar a mudança?

Os autores discutem que em todas as fases de ATS é possível integrar a voz dos pacientes, seus advocates e grupos de suporte. Nem sempre os pacientes têm um entendimento claro de estágios anteriores do processo de ATS, ou sabem se os pacientes estão envolvidos. É preciso ter conversas francas e respeitosas, e criar mecanismos de transparência para que todos saibam o que está sendo discutido. Além disso, é necessário que a literacia em saúde seja aplicada para facilitar o aprendizado e entendimento mútuo.

Nos últimos anos, os “patient advocates” e suas organizações têm se tornado mais informados, educados e treinados para se concentrar em suas experiências e no conhecimento para que eles possam contribuir de forma efetiva na tomada de decisão regulatória e de ATS. Eles também têm sido envolvidos em testes clínicos. Agora é preciso cocriar e democratizar a evidência, ou seja, ter acesso a dados compreensivos, informativos sobre a tecnologia que eles são convidados a colaborar com suas experiências. Um exemplo que tenta resolver essas limitações de informação é o Consórcio de Medicamentos Escocês, chamado de “Resumo da informação para pacientes (SIP)”, um resumo simples de dados clínicos para grupos de pacientes, oferecidos pela indústria como parte da submissão de produtos que está sendo usada para desenvolver um processo similar em outros países. Embora promissor, os autores se preocupam que a indústria pode controlar os grupos de advocacy por meio da informação que serão repassadas a eles sobre essas tecnologias. Compromisso político tem ajudado a superar essas barreiras, a exemplo do Comitê Alemão.

A qualidade do diálogo é dependente da qualidade da informação oferecida, em conjunto com uma relação verdadeira entre participantes.

Passos para avançar

Trabalhar em parceria é transformador e pode ajudar os membros de ATS a entender como investir no engajamento ativo e significativo. A participação do paciente pode assegurar que as agências de ATS estão alinhadas com os usuários finais. Um exemplo foi a recomendação de política para Lupus Nefrite do Institute for Clinical and Economic Review (ICER), que pode ser acessada aqui.

Um sistema para monitorar e oferecer feedback sobre como as tecnologias estão sendo utilizadas dentro do sistema de saúde e para quem, poderia completar o loop para avaliar a implementação das recomendações de ATS. Isso pode criar um ambiente de aprendizado em ATS e no cuidado com saúde que meça resultados para informar e construir valor ao longo do tempo. No longo prazo poderíamos todos aprender a confiar e nos beneficiar da disponibilidade das tecnologias mais efetivas e apropriadas.

Conclusões

Os “patient advocates” e líderes de organizações de pacientes compartilham interesses comuns e objetivos com os membros de ATS com relação a boas decisões sobre acesso e viabilidade financeira de novas tecnologias. Maior benefício e efetividade pode ser gerada ao integrar os “patient advocates” e os grupos de advocacy na ATS, mais do que trata-los como separados dos membros de decisão. Um bom progresso tem sido feito pela comunidade de ATS. É hora, agora, de desenvolver práticas globalmente, de forma consistente, e mensurar os resultados das recomendações de ATS de forma que beneficie a saúde e o bem-estar dos pacientes e suas comunidades. É preciso chamar lideranças de ATS para trabalhar juntos com os pacientes e contribuir métodos de participação proativos e iterativos que engajem e integrem os inputs dos pacientes no desenvolvimento da tecnologia e no seu continuum. O compromisso compartilhado pode afetar positivamente o bem comum assim como oferecer benefícios para pacientes individuais e suas comunidades.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

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